Eis um pouco do dia-a-dia universitário: pelo menos um período do dia ocupado com aulas; gastos altíssimos com cópias de textos, livros e outros materiais; obrigatoriedade de presença em atividades científicas e culturais; estágios obrigatórios; grupos de estudos; participação em congressos – que quase nunca são gratuitos; obrigatoriedade de produção, etc.
Se você é estudante da UNESP Araraquara há ainda um outro agravante: o nosso restaurante universitário está fechado há quase 6 anos. O que acarreta, além de um aumento exorbitante nos gastos com alimentação, dificuldades de permanência no próprio campus – para participar de atividades culturais, científicas, reuniões, palestras, grupos de estudos, etc – como a permanência na própria Universidade, já que o auxílio alimentação – que antes era distribuído na forma de tickets para refeições no restaurante – foi convertido em um valor insuficiente para manter os gastos alimentícios do(a) estudante durante o mês. O cotidiano de um(a) estudante universitário, por si só, já é exaustivo, extenuante e caro, muito caro. Mas, a realidade de muitos(as) desses estudantes, é que não só estudam, mas também são trabalhadores(as).
Nós, da Resistência Popular Estudantil – 28 de março, coletamos respostas de estudantes trabalhadores(as) para duas questões:
1) Quais são as maiores dificuldades em ser um(a) estudante trabalhador(a)?;
2) Como seria a Universidade ideal, que atendesse às demandas do(a) estudante trabalhador(a)?.
As respostas compõem o corpo do texto a seguir, em que denunciamos a situação dos(as) estudantes trabalhadores(as) nas Universidades brasileiras.
Dois dos pontos mais presentes nas falas dos(as) estudantes são relativos ao tempo: falta dele ou dificuldades de conciliação, principalmente no que toca as atividades extracurriculares, ou extra-aula. O/A estudante trabalhador(a) tem que conciliar PELO MENOS 8 horas diárias de trabalho, 4 horas diárias de aulas – em cursos que não são integrais, já que nesses casos é praticamente impossível conciliar estudos e trabalho que não seja em meio período; tempo de deslocamento (trabalho-universidade-moradia); além do tempo necessário para se alimentar, para os cuidados domésticos, para o lazer e, também, o tempo necessário para desenvolver trabalhos de pesquisa e estudos necessários para as aulas e avaliações. Estudante da pós-graduação em Antropologia Social da UFSCAr afirma que além do tempo escasso, também falta dinheiro o que gera medo da instabilidade e falta de motivação em ambas as esferas: trabalho e estudo. Não é possível se dedicar plenamente a nenhuma das atividades, e na maioria das vezes as exigências do patrão e o medo do desemprego se sobrepõem às atividades de estudo.
Estudante de Ciências Sociais da UNESP também se expressou nesse sentido, afirmando que “trabalhar 44h semanais é desumano e priva as pessoas de desenvolverem suas potencialidades. Muito dificilmente alguém consegue realizar atividades acadêmicas com seu máximo de aproveitamento se estiver preocupado em ter de fazer horas extras, preocupado em dar prioridade para seu trabalho alienado que paga sua sobrevivência. O estudante trabalhador, vez ou outra acaba deixando para segundo plano as potencialidades intelectuais pelo cansaço, pela falta de tempo em empenhar-se, por não perceber imediatamente como o saber que um curso de Ciências Sociais, por exemplo, pode oferecer para ele, já que não é valorizado no ‘mercado de trabalho’ tais conhecimentos”.
Uma grande dificuldade é a de participar das atividades extraclasse em horários fora do período do curso, como afirmou estudante de Pedagogia da UNESP. Por mais que o(a) estudante esteja matriculado(a) em um curso noturno, por exemplo, isso não significa que ocupe apenas o período da noite para se dedicar ao seu curso de graduação. “O conflito de horários com atividades extra curriculares, como eventos e palestras, o que implica dificuldade na conclusão das AACCS [Atividades Acadêmicas, Científicas e Culturais]. Há ainda o problema da carga horária da grade, que impõe muitas matérias obrigatórias por semestre, obrigando a escolha de ‘atraso’ da graduação, uma vez que é impossível fazer todas as atividades exigidas por tantos professores diferentes em horário fora de aula e ainda manter o emprego normalmente, mesmo que este seja um emprego de meio período”, afirma estudante de Letras da UNESP.
No que diz respeito à leitura de textos – que são o principal meio de estudos nos cursos de ciências humanas – é comum que professores exijam a presença em aula mediante leitura de algum texto ou livro, quando não ainda exige comentários e críticas por parte dos estudantes. Nesse sentido, uma das dificuldades é “[…] dar conta da carga de leitura do curso tendo de trabalhar 8h por dia; ainda que não trabalhe aos fins de semana. Os textos das [Ciências] sociais são complexos ao ponto de exigirem mais de uma leitura rápida, levando a repetir muitas vezes o exercício para a absorção completa do seu conteúdo, com a devida mediação dos professorxs. Além disso, trabalhar o dia todo e chegar para as aulas no período noturno é demasiado exaustivo”, afirma estudante de Ciências Sociais na UNESP.
A estudante da pós-graduação em Sociologia da UFSCAR afirma que a maior dificuldade é a de não ter tempo o suficiente para cumprir com todas as atividade exigidas, “[…] e por não conseguir realizar todas as leituras, não participar de nenhuma, ou quase nenhuma palestra, por não conseguir dispensa para participar de congressos e seminário[s], acabo sempre atrás nas discussões em grupo. Isso caba por me deixar desmotivada e reforçando o sentimento de que eu não deveria estar ali”.
Estudantes trabalhadores(as) não possuem tempo hábil para acompanhar as atividades necessárias aos seus cursos de graduação ou pós-graduação, não cabe exigir desses o mesmo aprofundamento do que os de estudantes que não precisam se preocupar com a geração de renda ou com a busca por tempo hábil para os estudos e produção de trabalhos e pesquisa entre um expediente e outro.
Uma pessoa que teve tempo para realizar um estudo de qualidade – por exemplo ler e reler um texto quantas vezes fossem necessárias, buscar outras fontes para complementar a leitura, realizar resumos, fichamentos, etc – com certeza está mais preparada para participar de um debate em sala de aula.
“Conciliar as demandas do patrão com as demandas de produção da UNESP e da CAPES” é a maior dificuldade de um(a) estudante da pós-graduação em Educação Escolar, ou seja, a administração do tempo e das atividades e exigências é ainda mais extenuante quando o(a) estudante realiza trabalho de pesquisa – atividade essa que não é entendida como trabalho no país em que vivemos, e que se agrava mediante os diversos cortes nas bolsas de pós-graduação, que são verdadeiramente o salário de pesquisadores(as) brasileiros(as).
“Além disso, trabalhar o dia todo e chegar para as aulas no período noturno é demasiado exaustivo. Por trabalhar sentada o dia todo, sentar por mais quatro horas no período noturno afeta em muito minha coluna e postura, o que deixa todo o processo mais cansativo, pois com frequentes dores musculares e de exaustão mental é difícil se concentrar”, completa estudante de Ciências Sociais da UNESP. Outro(a) estudante do mesmo curso afirma que a maior dificuldade é a de ter tempo para estudar e para dormir. Exaustão mental e física, privação do sono, dores musculares, alimentação desequilibrada e transtornos psicológicos são alguns exemplos de como a saúde do(a) estudante trabalhador(a) é afetada por sua rotina e por uma Universidade que não entende suas demandas.
Mas então nos perguntamos, e aos(às) estudantes que nos responderam: Como seria a Universidade ideal, que atendesse às demandas do(a) estudante trabalhador(a)?
Alguns dos pontos levantados foram:
– Uma universidade que entenda os horários de trabalho e seja receptiva ao(a) estudante que precisa sair correndo da aula para o trabalho, ou que sai desse para frequentar as aulas (Estudante de Pedagogia, UNESP);
– Prazos mais dilatados para cumprir as demandas (Estudante da pós-graduação em Sociologia, UFSCAr);
– Mais auxílios e bolsas para os estudantes se dedicarem mais no estudos e pesquisas (Estudante de Ciências Sociais, UNESP);
– Auxílios para compra de material de pesquisa e trabalho de campo (Estudante de pós-graduação em Antropologia Social, UFSCAr);
– Restaurantes universitários, auxílio creche, auxílio transporte e demais auxílios que ajudem o estudante a ter uma maior comodidade para garantir um estudo de fato satisfatório (Estudante da pós-graduação em Educação Escolar, UNESP);
– Oferecimento de oportunidades de aprofundamento, palestras e mesmo as aulas de pós graduação de forma igualitária em horários distintos, que se encaixem na realidade de alguém que trabalha (Estudante de Letras, UNESP);
– Oferecimento de atendimento psicológico (Estudante de pós-graduação em Antropologia Social, UFSCAr);
– Garantia de bolsas (com valor corrigido e justo) para estudantes de pós-graduação, para que não precisem trabalhar para estudar, possibilitando a dedicação exclusiva à produção científica (Estudante de pós-graduação em Educação Escolar, UNESP).
Nós compactuamos com o(a) estudante de Ciências Sociais que afirma que a Universidade ideal para o(a) trabalhador(a) não pode existir no capitalismo, ela depende da própria organização dos(as) trabalhadores(as) e dos grupos subalternos.
Uma Universidade ideal deve ser pública, gratuita, sem vestibulares, de acesso para todos e todas, e que volte suas produções acadêmicas, científicas e culturais para o povo. Deve ter moradias estudantis de qualidade para todos(as) que dela necessitam para estudar – independente de serem estudantes de graduação ou pós graduação; deve ter Restaurantes Universitários que ofereçam refeições gratuitas ou, pelo menos, a um preço acessível para todos(as) estudantes; deve ter auxílios socioeconômicos que não exijam processos seletivos exaustivos e humilhantes para os(as) estudantes; deve ter bolsas de pesquisa para a graduação e pós-graduação; deve ter creches para que as estudantes mães não precisem se preocupar com seus filhos(as) enquanto estudam; também deve ter auxílio transporte, alimentação e aluguel…
A Universidade ideal não é voltada aos interesses e filhos da burguesia, e ela “[…] deve vir de uma outra forma de pensar o modo de produção que temos – assim como o modo como nos relacionamos com a natureza, o modo como nos organizamos socialmente, politicamente, e principalmente deve vir de uma outra forma de pensar o ser humano para si – pois é imprescindível para os trabalhadores o seu tempo de se apropriar de conteúdos intelectuais, culturais, políticos e de lazer” (Estudante de Ciências Sociais, UNESP).
Fechamos esse texto com a certeza de que a Universidade pública, gratuita e popular para todos(as) é o nosso objetivo e que, nas palavras de um(a) estudante de Ciências Sociais: A universidade ideal ainda não existe, mas está por vir.
¡Arriba las y los que luchan!