CARTA DE APRESENTAÇÃO – RESISTÊNCIA POPULAR ESTUDANTIL 28 DE MARÇO (ARARAQUARA)

“(…) não se trata de projetar uma utopia num futuro longínquo. Pelo contrário, trata-se de afirmar uma presença imediata, por que qualquer experiência de autogestão por si só, já é uma ruptura com as regras do jogo do Estado capitalista.” (João Bernardo)

   Neste ano, completam-se 52 anos do assassinato do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto pela Ditadura Militar. Nascido em Belém e tendo origem em uma família pobre, Edson foi assassinado pela polícia quando participava, junto com outros 300 estudantes, de uma manifestação no Restaurante Calabouço.
A morte de Edson causou grande comoção nacional e desencadeou uma série de manifestações por todo o país que exigiam o fim da ditadura. O núcleo das manifestações de 1968 teve origem especialmente no Movimento Estudantil, que estava posto na ilegalidade desde o golpe (tendo sido incendiada a sede da União Nacional dos Estudantes) e, seu estopim na morte de Edson Luís.
   Nós, estudantes autônomos, organizados desde 14 de outubro 2018, pelo Comitê Autônomo Estudantil 28 de Março (CAE28), fazemos memória a Edson Luís e a todas as lutas estudantis que deixaram raízes durante a história das lutas populares brasileiras, especialmente as mobilizações de estudantes precarizados da UNESP que conseguiram, no decorrer dos anos e através da luta e organização, obrigar as chefias da universidade a criarem políticas de permanência universitária, possibilitando, minimamente, que os alunos com vulnerabilidade socioeconômica pudessem realizar seus cursos e não abandoná-los.
   Lutamos pela construção de um novo projeto de universidade, que aponte para um novo projeto de sociedade, este que passa necessariamente pela ruptura com o capitalismo e o tradicionalismo da universidade pública: seja como organização, seja como visão de mundo. Para radicalizar e potencializar a nossa mobilização precisamos nos perguntar: Para o quê e para quem serve essa universidade? Tal questionamento, torna mais necessárias e atuais as reflexões de Maurício Tragtenberg, em Educação, Política e Sindicalismo, sobre a falta de reflexão dos professores e estudantes a respeito da realidade educacional que os atinge. Assimilando-os, assim, ao trabalhador alienado que não pensa sobre o sistema produtivo que o inclui. A universidade pública hoje, vista geralmente como o “bastião do conhecimento de nossa sociedade”, é o verdadeiro lugar de “traição intelectual” da/o acadêmica/o. Por outra forma, a produção de conhecimento, na universidade, tornou-se dominada pela burocracia pedagógica, não havendo qualquer forma de controle social ou utilidade popular sobre o conhecimento produzido, de modo que a universidade adquiriu, ao longo da história, um caráter elitista, na medida em que acaba servindo e atendendo aos interesses da classe dominante, e não aos da classe trabalhadora/explorada.
    Ao mesmo tempo, compreendemos que o acesso ao ensino superior não deve ser encarado como um privilégio, pois defendemos sua total universalização. Hoje, as trabalhadoras e trabalhadores que pagam pela universidade, além de não terem acesso a ela, não veem sequer os resultados da produção de conhecimento voltando-se para eles próprios. Quando esse setor da população ultrapassa o filtro do vestibular, ainda é preciso se deparar com inúmeras dificuldades de permanecer no espaço, usufruindo de qualidade de ensino e estudo. No caso mais especifico da Universidade Estadual Paulista (UNESP) a sua característica multicampi (ou seja, os seus campi são espalhados pelo estado de São Paulo), faz com que diversos estudantes sejam obrigados a morar em outra cidade que não a de origem; a necessidade por permanência estudantil se torna ainda mais essencial. É preciso levar em conta a alimentação, a moradia, bolsas e/ou auxílios, estrutura física e psicológica, bem como garantir às mulheres estudantes e mães um espaço adequado para o recebimento de suas/seus filhas/os.
    Por isso, acreditamos que a luta do Movimento Estudantil deve ser, principalmente, em dois sentidos: na garantia de acesso à educação, universalizando a entrada em todos os níveis de ensino e a garantia de permanência estudantil. Desse modo, propomos e questionamos o perfil da universidade, qual é seu caráter e a que(m) serve o conhecimento nela produzido. Ao defendermos uma universidade de fato pública, na qual a população pobre tenha acesso, gratuita, à todas e todos, e de qualidade – no ensino, pesquisa e extensão – defendemos também que o conhecimento crítico seja construído e socializado com e para a classe trabalhadora.
   E neste momento, em que damos um passo para a construção de um projeto de poder popular que promova a autonomia do movimento estudantil e a ação direta das lutas, o CAE-28 muda seu nome para Resistência Popular Estudantil 28 de Março – Araraquara. Desde a fundação de nossa organização, em 2018, a estruturamos e organizamos enquanto uma organização de tendências, de forma que nossa mudança de nome em nada altera nossos princípios, objetivos e atuação militante. Contudo, agora apoiamos e somos apoiados por outros núcleos, espalhados por diferentes municípios do país, atuando nas frentes estudantil, sindical e comunitária
    Com o povo na rua, pra resistir e pra lutar, a Resistência Popular existe há mais de vinte anos, e é “por sentir que esta sociedade é injusta do jeito que está, por ter a necessidade de lutar pela própria vida é que existe resistência por parte de muita gente do povo […], por saber que somente resistindo e lutando teremos uma vida digna é que existe a Resistência Popular.
 

Princípios de Atuação e Organização.

Democracia Direta:

Esse princípio materializa-se como a prática de tomar decisões de forma coletiva e direta, ou seja sem representantes, intermediários ou políticos profissionais. Trata-se da expressão da base em que todas/os as/os estudantes organizadas/os e interessadas/os pelos assuntos e questões que lhes afete diretamente. A democracia direta são os estudantes em conjunto tomando decisões e construindo sua própria experiência política.

Independência de Classe:

Expressa a necessidade e a garantia que todo espaço de base, assim como todos os instrumentos de luta e organizações dos setores/classes oprimidas possuam de maneira legitima fóruns e espaços de deliberação e discussão. Preservando assim a autonomia coletiva frente a ação de terceiros/intermediários, e a independência de classe frente aos governos, empresas, partidos, reitoria e patrões.

Autonomia:

A autonomia para que as decisões possam ser tomadas e cumpridas de maneira ampla e efetiva pela base. A independência politica e financeira para que não haja dependência, troca de favores ou o aparelhamento das entidades estudantis por nenhum partido politico ou grupo externo à própria estrutura de organização estudantil.

Solidariedade de Classe:

Os ataques e problemas na educação não podem ser entendidos e combatidos de maneira isolada, isso é porque o sistema capitalista é responsável por manter e reproduzir uma estrutura de desigualdades, opressões e explorações. Assim compreendemos que isso não afeta apenas nós, estudantes, mas ao conjunto das/dos exploradas/os. Portanto, trata-se então, de rodear de solidariedade e apoio irrestrito a todas as lutas das classes e setores explorados e oprimidos.

Ação Direta:

A ação direta, é um método de luta nascido com a classe trabalhadora, praticando a transformação com ações realizadas pelas próprias mãos, do coletivo, da comunidade, dos movimentos. Desta forma, é necessariamente oposta às formas indiretas de ação, como por exemplo o voto. Ação direta é fazer greve, piquete, ocupação; é organizar uma manifestação de forma autônoma, fazer trabalho de base. É direcionada à raiz do problema para agir diretamente sobre o mesmo, compondo parte vital de um princípio de auto-organização.

QUEM SOMOS NÓS?

Somos um grupo de estudantes organizados, tendo como nosso local de atuação e militância as universidades em que estudamos. Atuamos no movimento estudantil, mas não apenas nos restringimos a ele. É nesse sentido que compreendemos a urgência de nos posicionarmos solidários as lutas populares e de construirmos relações de aliança com as mobilizações do conjunto das classes e grupos oprimidos (trabalhadores, indígenas, sem-teto/terra, comunidade LGBT, mulheres, desempregados).
Nos definimos enquanto agrupamento de tendência, e possuímos princípios e práticas que diferenciam nossa proposta de outros coletivos/organizações estudantis. Não nos caracterizamos enquanto um agrupamento estritamente ideológico ou partidário, mas prezamos pela soma de todas as várias agrupações de base, que organizadas por princípios e práticas potencializam a atuação cotidiana que se define por uma postura militante e combativa. Somos a vontade de construir um movimento estudantil classista, combativo e forte.
Agimos para a construção de um movimento estudantil organizado e com intensa participação de base, com ações que impliquem de forma direta o maior número de estudantes em todas as discussões, deliberações e ações reivindicativas. Uma militância crítica e responsável que denuncie e combata as opressões de gênero, raça, classe ou orientação sexual, mas que também denuncie e combata o projeto neoliberal que rifa cada vez mais a universidade pública.
Afirmamos, assim, que é dentro da luta que construiremos as bases para a socialização do conhecimento e para a construção de universidade popular e a serviço do povo.